Biografia Liminha: Retrato em movimento de um homem-músico por Antonio Carlos Miguel

Produtor, baixista, guitarrista, compositor, dono de estúdio, executivo da indústria do disco… São muitos os papéis nos quais atuou e ainda atua esse homem-músico.

Talvez, estejamos diante de um descendente direto do homo musicus, que, segundo pesquisas revelam, andou por nosso planeta antes mesmo do homo sapiens.

Filho de uma pianista e professora clássica e de um farmacêutico apaixonado por instrumentos de cordas (exímio violonista, bandolinista e violinista nos fins de semana), o paulistano Liminha nasceu e cresceu num lar pra lá de musical. Paixão que, a partir da adolescência, virou profissão. Hoje, após ter seguido a sua vocação natural, a lista de sucessos e clássicos com o toque de Liminha é imensa.

Bio - Liminha

Como baixista, vem desde os lendários Mutantes (entre 1969 e 1973) e prosseguiu em discos fundamentais de, entre outros, Marina Lima (para ficar só num exemplo, sua linha de baixo em "Fullgás"), Caetano e Gil, Marisa Monte, Lulú Santos, Erasmo Carlos, Raul Seixas, Rita Lee, Sergio Mendes e Paula Toller (o recente "Transbordada", em 2014, no qual também transbordou como guitarrista, programador, produtor e compositor).

Compositor que já tinha dado as caras nas parcerias com Rita, Arnaldo e Sérgio para os Mutantes

(a começar por "Top top", faixa que abriu seu segundo LP com o grupo, "Jardim elétrico", em 1971) e também com gente como Gil ("Vamos fugir" e "Nos Barracos Da Cidade"), Vanessa da Mata ("Ai, ai, ai…" e "Ainda Bem") e Arnaldo Antunes ("Ninguém no carnaval").

Liminha
Estúdio
Já a produção virou sua principal atividade, a partir de 1977, quando estreou nos álbuns de dois grupos também estreantes, "Frenéticas" e "Maria Fumaça" (da Banda Black Rio).

Nos anos 1980, Liminha foi o produtor de, entre outros, "Luar" (Gil, 1981), a trilogia inicial de Lulu Santos entre 1982 e 84 ("Tempos modernos", "O ritmo do momento" e "Tudo azul") e ainda "Seu espião" (Kid Abelha, 1984), "Selvagem?" (Paralamas, 1985) e "Cabeça dinossauro" (Titãs, 1986).

Na década seguinte, mais títulos emblemáticos, como "Marina Lima" (1990), "O Canto da cidade" (Daniela Mercury, 1992), "Parabolicamará" (Gil, 1992), "Tropicália 2" (Caetano e Gil, 1992), "Da lama ao caos" (Chico Science & Nação Zumbi, 1994), "Rappa Mundi" (O Rappa, 1996) e "Manual prático para festas, bailes e afins" (Ed Motta, 1997).

No século XXI, tem pilotado tanto novos como Vanessa da Mata ("Essa boneca tem manual", 2004) quanto lendas-vivas como Erasmo Carlos ("Sexo", 2011) e Gilberto Gil ("Banda Larga Cordel", 2008).

Aos nove anos, vivendo na Lapa paulistana, Arnolpho Lima Filho ganhou a sua primeira guitarra. Em seguida, ficou fascinado pelos sons graves de um baixo que ouviu nas mãos de Nenê (que depois foi dos Incríveis, mas na época tocava no grupo The Rebels).

Três anos após, já morando no Pacaembu, convenceu o pai a comprar aquele instrumento que "pega no estômago".

Era um baixo Del Vechio com amplificador que logo aprendeu a dominar e virou seu passaporte para entrar e sair em diferentes grupos iniciantes.

Estúdio
Com um deles, aos 14 anos, já engatinhando na profissão, tocou até num bordel de Londrina.
Entre 1966 e 1968, passou por The Thunders, Os Lunáticos e Os Baobás.

Com este último, gravou um compacto com uma versão de "Light my fire", o sucesso dos Doors, e acompanhou a Caetano Veloso.

Liminha
Em fins dos anos 1960, viver de música ainda não era algo estável ou aceitável e ele até que tentou seguir outra trilha.

Passou no vestibular e cursou o primeiro ano da faculdade de Administração e Economia, mas, naquele mesmo ano de 1969, recebeu o convite para se juntar aos Mutantes, então no auge de seu período tropicalista.

Era impossível conciliar estudos com estúdios de gravação e de TV e palcos e Liminha não pensou duas vezes.

Estúdio
Participou do auge da mais influente banda de rock do Brasil, gravando no álbum "A Divina comédia ou Ando meio desligado" (1970),

e sendo incorporado oficialmente ao grupo no seguinte, "Jardim Elétrico" (1971). Também esteve em "Mutantes e seus Cometas no país do Baurets" (1972), "Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida" (este, lançado no fim de 1972 já como um disco solo de Rita Lee)

e nas sessões de dois discos hoje cultuados mas que ficaram engavetados por quase duas décadas, "Tecnicolor" (gravado em Paris, em 1970, com letras em inglês, abortado projeto de uma carreira internacional) e "O A e o Z" (de 1973, já sem Rita Le

Bio - Liminha
Em fins de 1973, com a saída de Arnaldo Baptista, Liminha não viu mais sentido em prosseguir nos Mutantes, cada vez mais enfurnados no rock progressivo e passou o que diz ter sido um tempo perdido em São Paulo.

Até ser chamado para a Cia. Paulista do Rock, que virou o grupo de base de Erasmo Carlos, participando das turnês do Tremendão, incluindo seus shows nos festivais de Saquarema e Hollywood Rock e as gravações do disco "Banda dos Contentes" (1976).

Também nessa época, nos estúdios da PolyGram no Rio,

onde tocou nas sessões de "Eu nasci há dez mil anos atrás", de Raul Seixas, Liminha foi convidado pelo produtor Marco Mazzola para se juntar ao time que estava formando para a Warner do Brasil.

Como assistente do departamento nacional da nova gravadora instalada por André Midani, Liminha teve como primeiras tarefas os discos da Banda Black Rio e das Frenéticas.

Estas eram até então apenas aquelas garçonetes que também cantavam na discoteca Dancin' Days e nenhum dos produtores da empresa via muito futuro naquilo.

Sobrou para o novato, que encarou o desafio e emplacou o primeiro Disco de Ouro da WEA Discos (como então se chamava a gravadora que reunia os selos Warner, Elektra e Atlantic).

Já o disco da Banda Black Rio, no qual assinou a direção de estúdio, não teve vendagens espetaculares, mas se tornou um clássico e referência fundamental no Brasil e no mundo para a fusão de samba, funk e jazz.

Na Warner, Liminha também reencontrou Gilberto Gil e, em 1981, com "A gente precisa ver o luar", iniciou a série de discos que produziu para ele.

É uma lista que inclui títulos como "Um banda um", "Extra", "Raça humana", "Diadorim noite neon", "Parabolicamará" e "Quanta". O trabalho de mixagem de "Luar", no Westake Audio, em Los Angeles, também serviu para Liminha como um curso de mestrado orientado por ninguém menos que Humberto Gatica, um dos principais produtores e engenheiros de gravação e mixagem do mundo. Além das sugestões do mestre anotadas num bloco, voltou para o Brasil com livros técnicos, equipamento e a ideia de ter o seu próprio estúdio.

Convidado por Midani para assumir a direção artística deum dos selos da WEA, Liminha aceitou desde que pudesse eventualmente pular a cerca.

Assim, além de sucessos para artistas da casa como Lulu, Ultraje, Titãs, Kid Abelha, fez para companhias concorrentes álbuns como “Selvagem”, dos Paralamas, e “Sob o sol de Parador”, de Lobão. Ainda durante seu período na Warner, ele abriu em sociedade com Gil, em 1984, o estúdio Nas Nuvens, instalado numa casa no alto do bairro do Jardim Botânico.

Estúdio
Em 1987, encantado com Los Angeles, Liminha negociou com Midani seu desligamento da Warner, mudando para os EUA no início de 1988.

Tendo L.A. como base - cidade onde uma de suas filhas vive atualmente -, Liminha continuou produzindo muito no Brasil, onde ampliou seu campo de atuação, da sensação do axé Daniela Mercury em 1992 ao grupo que lançou o mangue beat, Chico Science & Nação Zumbi, do pop-concretista de Arnaldo Antunes ao funk-jazz de Ed Motta, da neo-MPB de Pedro Luís e A Parede ao pop sofisticado de Adriana Calcanhotto, além de velhos companheiros como Gil, Marina Lima e Paralamas.

A vida na ponte LA-Rio foi interrompida em 2001, quando aceitou um convite da Sony Brasil. O baixista nos primeiros e amadores grupos dos anos 1960 assumia a vice-presidência artística de uma multinacional do disco. Naquele posto, que seria até então o topo de uma carreira ascendente, ele se viu pela primeira vez profissionalmente afastado de estúdios e palcos. O tempo que passou a gastar em escritórios, reuniões, convenções nada tinha a ver com sua vida.

Daí, talvez até como terapia, ter criado também em 2001 um grupo de surf music, The Silvas,

no qual assumia a guitarra, ao lado de um dos primeiros baixistas que conheceu, Nenê (inicialmente em The Rebels e depois nos Incríveis), e do amigo desde os Paralamas, João Barone (bateria).

Bio - Liminha Novamente autônomo a partir de 2002, Liminha também voltou a trabalhar no que mais gosta - produzir discos, compor e tocar -

tanto seu arsenal de baixos, guitarras e violões quanto o Nas Nuvens, referência em estúdios de gravação e berço de títulos fundamentais na discografia brasileira. Em 2008, repetiu a dose de "lazer sonoro" com The Three Amigos, grupo completado por Dadi Carvalho (Novos Baianos, A Cor do Som) e o saudoso Luie, este um gaitista e cantor carioca que rodou o mundo fazendo música por prazer.

A partir de 2010, Liminha juntou-se a Toninho Horta (guitarra), Jaques Morelenbaum (cello) e Marcos Suzano (percussão) no grupo instrumental Shinkansen (este, o nome da linha ferroviária que opera no Japão o trem bala). O quarteto, que gravou um disco ainda inédito, estreou em novembro de 2012 no CopaFest, festival de jazz realizado no Copacabana Palace, e no início do ano seguinte tocou na casa de shows Miranda, no Rio.

Liminha
Em 2015, nos Achados no Espaço (banda montada para a comemoração dos 30 anos do Rock in Rio no CD e DVD que assina direção e produção musical),

Liminha mais uma vez juntou paixão eterna e um profissionalismo aprimorado a cada instante.

Em 2016, Liminha é convidado para ser o diretor musical do “Nivea Viva o Rock”, projeto que homenageia o rock brasileiro.

Além de direção musical, ele também participa como baixista da banda que se apresenta em shows gratuitos pelas principais capitais brasileiras, ao lado de nomes como Dado Villa Lobos, Os Paralamas do Sucesso, Nando Reis, Paula Toller entre outros artistas.

Nesse ano ainda, o Nas Nuvens passa por sua maior reforma em três décadas. O espaço de seu estúdio principal foi ampliado para, agora, também melhor permitir filmagens. Som e imagem Nas Nuvens. Afinal, em outro segredo para explicar a jovialidade que esbanja, esse homo-musicus diz que nunca é tarde para aprender mais. E fazer sempre mais.